domingo, 27 de novembro de 2011

Uma comida diferente.

Pagou uma última rodada de cerveja que assentou que nem uma maravilha, depois de mais uma semana de trabalho, em que haviam opinando sobre o Papa, a hipocrisia da Igreja, etc. Afinal de contas, o anticlericalismo bem como a amizade que os unia era comum a todos os que trabalhavam na mesma repartição pública.
Depois do último trago, quando ia para casa comer algo para depois dormir uma sesta retemperadora, sentiu, no ar, um odor que lhe fez lembrar os tempos da sua meninice: cheirava-lhe a sopa tal e qual como a que o recebia quando voltava para casa depois de mais um dia de aulas, quando encontrava a mãe atarefada numa humilde cozinha, de volta de uma panela cujo conteúdo fervia, ao lume, sem cessar.
Levado pelo cheiro, entrou num lugar que lhe pareceu um modesto restaurante, mas cheio de encanto, distraído que estava a pensar no relatório sobre Riscos Psicossociais de Pessoas Expostas a Situações de Disrupção Económica e Familiar que lhe haviam pedido no trabalho.
Na verdade não era um restaurante, mas sim um self-service frequentado por gente de todas as condições. Havia pessoas vestidas com camisa e casaco, junto a indivíduos solitários vestidos com roupa de trabalho e outros de aspeto andrajoso. Abriu os olhos e ficou pasmado ao ver que quem servia a comida era uma freira. Havia entrado numa cozinha económica e viu-se rodeado por aqueles que nunca nomeava nos relatórios que fazia: os pobres.
Quis sair mas a freira não o permitiu, sorrindo e dizendo-lhe que não se preocupasse pois a primeira vez era sempre a mais complicada; que não devia ter vergonha de nada; que a sopa estava muito boa e que ainda havia panados; que não perdesse as vitaminas da salada e da fruta e que podia terminar a refeição com um gelado oferecido por uma fábrica cujo nome tinha esquecido. Sem contar, viu-se sentado numa mesa onde um casal de idosos bem vestidos comia, em silêncio, sem levantar os olhos do prato.
Na outra ponta da mesa, um indivíduo com barba descuidada sorria, enquanto devorava o panado e contava a história da sua vida; havia perdido o trabalho, o banco havia executado a hipoteca da sua casa e que, depois do divórcio, não sabia para onde ir; menos mal porque as freiras lhe davam comida e roupa e podia dormir num albergue, debaixo de um teto. “Afinal, tive sorte na vida. O importante é não nos deixarmos ir abaixo…” – exclamava ele.
Não podia acreditar no que lhe estava a suceder. Ninguém lhe havia pedido nada para lhe dar de comer, nem lhe perguntaram qual era a sua religião se é que a tinha. Limitaram-se a dar-lhe comida, sem qualquer questionário. Ao sair, nem agradeceu à freira que lhe havia dado de comer. Não foi por falta de educação, mas sim porque não conseguiu articular qualquer palavra. Limitou-se a inclinar a cabeça. Ela respondeu-lhe com um ligeiro sorriso e disse-lhe: “Volte quando precisar, e se eu não estiver, diga que vem da minha parte. O meu nome é Esperança.”
 
Traduzido e adaptado de um artigo de Paco Robles
 
P.S.: Há quem não passe das palavras aos atos. Todos conhecemos muitos. Alguns não saem da televisão a pregar sobre solidariedade e coisas do género. Já agora, não me consta que estas cozinhas tenham feito greve...

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